5 livros para desenvolver empatia

Cogna Design
10 min readApr 29, 2024

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No mês passado, o Henrique Dias falou, em outro artigo aqui do Medium Cogna Design, sobre Empatia, Simpatia e Vieses em UX Research.

Para retomar o assunto e explorar o potencial da empatia em nossas vidas de maneira geral, proponho começar com uma animação, cujo áudio foi extraído e editado de uma palestra de Brené Brown pela produtora RSA:

A palestra na íntegra se chama The power of vulnerability e que aconteceu num TED de 2011.

Nesse vídeo, Brené Brown traz 4 características da empatia:

  • reconhecer, adotar a perspectiva da outra pessoa como sua verdade
  • não julgar
  • reconhecer as emoções da outra pessoa
  • comunicar isso a ela

Nossa tendência habitual é ouvir e julgar, com base em nossas próprias vivências, e muitas vezes dar recomendações ou tentar amenizar a dor do outro com comentários que pretendem suavizar a situação. Com empatia, aprendemos a ouvir o que a outra pessoa tem a dizer de forma sincera, tentamos observar a situação compartilhada sob o prisma dela e emulamos seus sentimentos.

A empatia é uma ferramenta e uma habilidade que pode ser desenvolvida e traz inúmeros benefícios, como fortalecer relacionamentos, promover melhores conversas e entendimentos mútuos, aumentar a colaboração, fomentar a resolução de problemas, além de contribuir para a mudança social.

Portanto, ela ajuda não só na hora de realizar entrevistas e lidar com usuários, mas também em outras esferas da vida e, dentro do contexto do trabalho, nos relacionamentos com pares, stakeholders, gestores etc.

No livro Articulando decisões de design, o autor Tom Greever aponta que muitas vezes designers sentem que stakeholders ou pares de outras áreas não dão a devida importância ao seu trabalho. Contudo, essa postura não quer dizer que a pessoa rejeita o trabalho, mas que provavelmente ela não tem conhecimento técnico para entendê-lo. O autor reforça que de nada adianta criarmos uma postura defensiva contra essas pessoas, mas que devemos encontrar assuntos de interesse mútuo para construir uma relação de troca respeitosa e também entender suas motivações para conseguirmos enquadrar nosso discurso de design nas suas necessidades.

Um outro conceito, utilizado na antropologia, que podemos abordar aqui é a alteridade. A alteridade parte do reconhecimento de que pessoas, provenientes de culturas e costumes diferentes, apresentarão pensamentos e comportamentos distintos dos nossos, mas que, como pesquisadores, devemos ser capazes de observar e investigar motivações para compreendê-las a partir de suas visões de mundo, mesmo que não sejamos capazes de sentir o que sentem. Não vou me estender nesse tema, por isso indicarei duas leituras complementares ao final do texto.

Sendo assim, pensando em desenvolver essas habilidades tão úteis para lidar com usuários, colegas de trabalho ou pessoas em geral, trago hoje 5 sugestões de livros que são ótimas ferramentas para desenvolver a observação sem julgamento e permitir nos conectar com vivências e sentimentos de outras pessoas. São livros com abordagens e focos bem distintos entre si, mas que nos abrem para muitas novas realidades.

Comunicação Não-Violenta

O livro Comunicação Não-Violenta foi escrito em 1999 por Marshall Rosenberg, psicólogo, professor, pacifista e fundador do Centro de Comunicação Não-Violenta.

Marshall viajou pelo mundo a convite da ONU e outras organizações para ajudar na resolução de conflitos político-sociais, reconciliando populações e disseminando a CNV, método criado por ele na década de 1960.

O autor divide a CNV em quatro pilares:

  1. Observação: observar e descrever de forma objetiva, clara e específica uma situação, sem julgar ou interpretar;
  2. Sentimentos: identificar, reconhecer e expressar sentimentos que surgem em resposta à observação, sem atribuir culpa ou responsabilidade a outras pessoas;
  3. Necessidades: identificar necessidades ocultas por trás dos sentimentos, reconhecendo sua legitimidade;
  4. Pedidos: expressar pedidos claros, específicos e orientados para a ação, visando encontrar soluções que satisfaçam as necessidades de todas as partes envolvidas.

O livro é repleto de exemplos de como aplicar esses quatro pilares em situações do dia a dia e também de histórias que mostram sua efetividade, mas há duas questões que quero destacar:

  1. Podemos aplicar os quatro pilares em nós mesmos, observando nossas ações, identificando nossos sentimentos e necessidades e expressando pedidos para outras pessoas e também para nós mesmos; mas também observando as ações dos outros, tentando identificar seus sentimentos e necessidades para então validar com eles e trazer clareza a seus pedidos;
  2. Nem sempre precisamos aplicar os quatro pilares juntos e em sequência para obter resultados. Podemos aplicá-los individualmente como forma de praticar ou mesmo para melhorar nosso autoconhecimento ou prática de empatia. Assim, fica mais fácil desenvolver um novo hábito até que ele altere nosso comportamento e nos traga benefícios ainda maiores.

Quando observamos, adotamos um olhar imparcial, deixamos de ver a ação do outro como algo que almeja nos prejudicar.

Quando identificamos nossos sentimentos, reconhecemos que algo causa desconforto em nós e esse é o primeiro passo para entender por que esse desconforto nasce e do que precisamos para saná-lo.

Quando entendemos as nossas necessidades ou as dos outros, a cabeça até dá um estalo e muitas ações e reações passam a fazer sentido. Reconhecer a necessidade do outro ajuda a entender que a ação dele é muito mais sobre ele do que sobre a gente. Reconhecer a nossa necessidade faz a gente aceitar com menos relutância o desconforto do sentimento.

Fazer pedidos é uma etapa que depende mais da troca direta com outra pessoa, enquanto os outros 3 conseguimos fazer em silêncio numa autorreflexão, mas tem um poder imenso de transformar. Os quatro pilares juntos fecham um combo poderoso de transformação, mas cada um deles sozinho já é de um potencial transformador imenso.

Acredito que o livro “Comunicação não-violenta” é a leitura perfeita para introduzir o tema devido a sua abrangência e abordagem didática. Promove a compreensão das emoções e necessidades próprias e dos outros, a comunicação empática e compreensiva, e a resolução pacífica de conflitos.

A Coragem de Ser Imperfeito

Foi escrito em 2012 por Brené Brown, professora, pesquisadora, palestrante e escritora. O livro normaliza que a perfeição é um ideal inatingível e que a imperfeição é parte essencial da condição humana. Ostentar superioridade é um comportamento que nos isola, ao passo que aceitar que somos imperfeitos, e portanto, humanos, nos faz compreender que nossas vulnerabilidades não nos fazem fracos, mas sim que abrem portas para criarmos conexões mais profundas e autênticas.

Nossas vulnerabilidades são emoções que experimentamos em situações de incerteza e exposição emocional, incluem sentimentos como medo, vergonha, ansiedade e insegurança. Portanto, assumir nossas vulnerabilidades requer coragem, envolve abrir-se e compartilhar nossas emoções mais profundas, o que também abre portas para sermos capazes de nos conectar com as emoções mais profundas de outras pessoas. Isso nos permite oferecer apoio e compreensão genuínos uns aos outros.

Enfrentar e falar sobre nossas vulnerabilidades é uma forma de crescimento pessoal e autoconhecimento. Isso nos permite reconhecer nossos próprios pontos fracos e áreas de desenvolvimento, e nos ajuda a aprender e crescer com nossas experiências.

O livro também aborda algumas diferenças entre comportamentos de homens e mulheres com relação à vulnerabilidade. Isso mostra que os estereótipos acabam nos condenando a fardos pesados, porque não nos permitimos falar sobre eles. Pelo contrário, aprendemos a seguir a vida no automático, tentando atender a uma expectativa imposta pelos padrões da sociedade que não condiz com a verdade que vivemos dentro de nós.

Dessa forma, “A Coragem de Ser Imperfeito” promove uma maior autoconsciência, aceitação das imperfeições alheias, compreensão da humanidade compartilhada, além da conexão por meio da vulnerabilidade e desenvolvimento de relacionamentos significativos.

Mulheres Invisíveis

O livro foi escrito em 2019 por Caroline Criado Perez, escritora, jornalista e ativista britânica conhecida por seu trabalho em questões de igualdade de gênero.

A autora organiza informações coletadas de diversos segmentos para expor de que forma nosso mundo é projetado sob um viés masculino. Apesar das mulheres fazerem parte de 50% da população, falamos de espaços e soluções projetados por homens e para homens, em que não há coletas de dados sobre mulheres. Contudo, quando falamos da realidade e do dia a dia dessas mulheres, os problemas que elas enfrentam são diferentes dos problemas dos homens. Alguns exemplos retratados no livro são: chances de diagnósticos errados de doenças, bem como tratamentos pouco efetivos; dificuldade de deslocamento na cidade devido a fluxos que ignoram as suas necessidades; sobrecarga de trabalho devido à errônea perspectiva de que trabalho doméstico não é trabalho; e assim por diante.

O livro é, por vezes, revoltante e mostra que ainda há um longo caminho pela frente para vencer a lacuna de dados que reflete os desafios que as mulheres normalmente enfrentam na vida doméstica e na sociedade. Do ponto de vista de design, é alarmante a forma como soluções são projetadas sem considerar dados e requisitos que excluem 50% da população. Se considerarmos ainda o que estamos ignorando também dados de interseccionalidade entre gênero e raça, essa perspectiva é ainda mais chocante.

Além de explorar questões relacionadas a saúde, transporte, economia e tecnologia, a autora também aborda a inércia e a resistência à mudança por parte das instituições e da sociedade em geral para abordar o viés de gênero nos dados e corrigir as desigualdades resultantes.

“Mulheres Invisíveis” traz exemplos de experiências, desafios e necessidades das mulheres em todo o mundo e como elas são impactadas pelo descaso com suas particularidades. Por essa razão, o livro promove o desenvolvimento de empatia e incentiva atitudes proativas na busca pela igualdade de gênero.

Racismo Estrutural

Escrito em 2019 por Silvio Almeida, advogado, filósofo, professor e atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, o livro remonta às origens da cultura escravocrata para explicar de que forma o racismo está infiltrado nas instituições e na cultura brasileira, gerando condições deficitárias que afetam até hoje boa parte da população.

É um livro essencial para demonstrar de que forma os impactos do racismo persistem na nossa sociedade atual mesmo quando não há um ato violento explícito. Assim como “Mulheres invisíveis”, traz a perspectiva de que adotamos um grupo populacional como maioria absoluta (a população branca) e a partir daí traçamos os parâmetros de referências que são tratados como padrões. Isso é tão forte na realidade brasileira que é comum encontrar histórias de pessoas negras que levaram vários anos para se perceberem como negras. Um exemplo disso é o aumento de pessoas que se declaram como negras ou pardas no Censo, passando de 38,5% em 2000 para 55,5% em 2022.

A valorização da branquitude e a idealização do padrão de beleza europeu pode levar pessoas negras a internalizarem estereótipos e preconceitos racistas, resultando em falta de consciência ou aceitação sobre sua identidade racial. Da mesma forma, negligenciar a história e a cultura afro-brasileira, problema que acontece inclusive no sistema educacional, contribui para a falta de consciência e a falta de valorização da contribuição dos negros para a sociedade brasileira. Isso pode levar algumas pessoas negras a se sentirem excluídas e deslocadas na sociedade, sem uma compreensão adequada de sua própria história e identidade cultural.

O livro “Racismo Estrutural” promove conscientização e compreensão sobre os impactos do racismo no Brasil, as formas de resistência e luta, evidenciando estruturas de poder e privilégio que dominam nossa sociedade desde o início da escravidão e as soluções para desenvolver a igualdade racial.

Vidas Trans

Originalmente escrito em 2017 e relançado em 2022, o livro foi composto por quatro autores: Amara Moira, João W. Nery, Márcia Rocha e Tarso Brant.

Em oposição aos demais, traz narrativas autobiográficas de quatro pessoas trans e seus processos de autoidentificação e autoafirmação para o mundo. São pessoas com idades diferentes, nascidas em épocas e locais diferentes, que compartilham os desafios que enfrentaram para se aceitar, para contar às famílias, para se perceber na sociedade e, principalmente, para garantir que seu direito à liberdade fosse respeitado.

Pelo seu caráter autobiográfico, as narrações em primeira pessoa ajudam a gerar maior conexão com os autores, aproximando-nos da realidade vivida por eles não só pelas situações enfrentadas, mas também por conhecermos seus pensamentos, sentimentos, desejos, aflições.

O livro destaca as diversas formas de discriminação e violência enfrentadas pelas pessoas trans, incluindo discriminação no emprego, acesso limitado a serviços de saúde, violência doméstica e transfobia. Além disso, desafia estereótipos e preconceitos comuns sobre as pessoas trans e sua identidade, gênero e sexualidade, destacando lutas e conquistas da comunidade trans no Brasil.

“Vidas Trans” retrata experiências, desafios, lutas e conquistas da comunidade trans, promovendo a conscientização da luta pelos direitos trans no Brasil e a promoção da igualdade e inclusão para todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero.

Recapitulando as sugestões…

Os primeiros dois livros, Comunicação Não-Violenta e A Coragem de Ser Imperfeito apresentam ferramentas para desenvolver autoconsciência e abrir nossas perspectivas sobre a existência de pessoas com realidades, necessidades e desejos muito diferentes dos nossos, reconhecendo e validando as emoções e necessidades dos outros e construindo relacionamentos mais autênticos.

Os outros três livros trazem dados e histórias que contribuem para imergirmos em realidades diversas, aproximando-nos das motivações e expectativas de outras pessoas, reduzindo nosso julgamento e permitindo um novo grau de abertura para a escuta dos outros, podendo assim praticar a empatia e a alteridade.

E aí, o que você achou dessas sugestões? Tem algum outro livro que você indicaria como ferramenta para o desenvolvimento da empatia?

Mayara Pillegi,
Coordenadora de Design em Cogna — Linkedin: /in/mayarapillegi/

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